Sempre me consultam sobre a utilização da montagem 1×10 na relação de marchas, e sempre será algo difícil de responder.
Para tentar ajudar, vou recorrer aos números e te mostrar como você pode fazer para também decidir se deve usar ou não, baseado em algo que só você sabe dizer: quanto suas pernas conseguem “empurrar”.
Vamos lá? 😉
Quando começou tudo?
Depois que a SRAM lançou seu grupo XX1, que utiliza apenas uma coroa, uma febre tomou conta dos Mountain Bikers e todos queriam ter em suas bikes a novidade. Porém, é bem salgado o preço deste consumismo, então alternativas começaram a ser pensadas, fabricadas e oferecidas no mercado.
As opções mais comum são as coroa únicas (30, 32 e 34 dentes) + pinhão ou cog (40 ou 42 dentes), onde bastam alguns minutos e sua bike, teoricamente, já estaria convertida para uma relação 1×10 (uma coroa e um cassete de 10 marchas).
Grupo SRAM XX1, suas opções em coroas e a tecnologia do freehub XD
O “pulo do gato” da SRAM foi projetar uma forma de ter todas as marchas que um mountain biker utiliza, sendo 20 ou 30 velocidades, reduzidas a apenas 11. O mais comum é que o menor pinhão do cassete tenha 11 dentes. É física pura. Por causa do desenho do freehub padrão da industria atual, é impossível utilizar um menor.
Então a SRAM projetou um novo freehub, o qual possibilita utilizar um cog menor, de 10 dentes. E esse novo desenho aceita apenas o cassete 10-42 do grupo XX1. Outros modelos não servem no freehub XD.
A SRAM oferece coroas nos tamanhos 28, 30, 32, 34, 36 e 38 dentes para os grupos de coroa única. Então, o atleta precisa já saber como será o terreno ou circuito por onde pedalará, para depois calcular e escolher qual tamanho de coroa utilizar. Em alguns minutos ele troca a coroa na bike, e tudo resolvido.
Tudo bem, mas somos meros mortais e não podemos ter o XX1 em nossas bikes. O que faremos?
Para suprir esse desejo ou curiosidade (entro nessa parte) de ter uma relação de marchas de coroa única, empresas começaram a lançar um cog de 40 ou 42 dentes que são compatíveis com cassetes e freehub de cubos comuns. Esses cogs são fabricados em alumínio e usinados em CNC, que são máquinas automatizadas e controladas por computador.
Empresas com E-thirteen, Wolf Tooth e ONE, desenvolveram e lançaram seus modelos de cogs para montagem de relação 1×10.
Opa, legal! Então está tudo resolvido? Não necessariamente. Vamos lá…
Você tem um cassete de 11-36, que é a relação mais usada em mountain bikes com 10v, e quer colocar um cog desse. Mas, como a física está em tudo, não é possível apenas instalar o seu novo cog de 40 ou 42 dentes e sair pedalando. Você não pode ter 11 velocidades onde só cabem 10. Então, é preciso eliminar uma das marchas existentes para poder entrar o novo cog-gigante.
Os fabricantes dos cogs de 40 e 42 dentes recomendam eliminar o cog de 15 ou o de 17 dentes, caso o cassete seja desmontável, como os Shimano XT por exemplo.
Mas por quê um desses dois cogs 15 ou 17 dentes? Porquê eles já são soltos. Teoricamente você pode eliminar qual você quiser!
Cassete Shimano XT 10v 11-36
Além disso, ainda há o parafuso de ajuste B!
O parafuso de ajuste B, é aquele parafuso que os câmbios traseiros têm e que parece que não servem para muita coisa. Mas no ajuste final e fino do câmbio, eles são extremamente importantes.
É pelo parafuso de ajuste B que você colocará o câmbio na posição certa em relação ao cassete. Nele você ajusta o avanço do câmbio no sentido longitudinal da bike.
Olhando na imagem acima, você consegue imaginar que, apertando o parafuso, ele empurrará o câmbio para trás, pois a ponta dele está apoianda na ganheira do quadro.
Os cambios de 10v são desenhados e projetados para lançar a corrente facilmente em um cog de até 36 dentes. Usando-se um cog maior, de 40 ou 42 dentes, o parafuso de ajuste B deve ser apertando deslocando o câmbio para trás, e não é pouco. O câmbio vai muito para trás. E o lançamento da corrente acontece com o mecanismo de articulações trabalhando no limite!
As trocas de marchas são um pouco prejudicadas e ficam um pouco mais lentas, porque o desenho da corrente e do cassete foram pensados para trabalharem com 100% de perfomance estando o câmbio na sua posição ideal, mais pra frente, fazendo a corrente ficar com uma maior área de contato possível com o cassete, criando uma volta maior no mesmo.
Para essa primeira experiência, optei por mante rmeu pedivela duplo 38×24, para perceber qual seria o benefício e como ficaria a relação de marchas depois das alterações no cassete. Eu usaria por um tempo e de acordo com o uso que fizesse, escolheria entre as coroas 30, 34 e 36 que já tinha guardado para posterior troca.
Beleza, tudo montado e ajustado. Mas, e o benefício do sistema 1×10?
Eu tinha certeza que sentiria falta de ambos os cogs que teria que remover, tanto o 15 como o 17 dentes. Então, consegui com a Shimano um cog XT de 16 dentes novo para poder resolver esse problema. Já que o 15 e o 17 me fariam falta, elimino os dois e coloco um meio termo! Simples! Nem um, nem outro. Ficaria no meio! 😀
Para começar meus testes com um cog maior, escolhi um de 40 dentes, porque gostaria que minha relação de marchas não tivesse “buracos”. Em sequência, os dois maiores cogs originais são 32 e 36 dentes, então um de 40 daria sequência ao ratio entre uma marcha e outra, pulando de 4 em 4 dentes.
E também, logo de cara, eu não usaria uma das 3 coroas próprias para serem usadas sem câmbio dianteiro. Eu queria primeiro experimentar os benefícios do cog de 40 dentes e ter uma idéia se eu precisaria mudar várias vezes entre as coroas 38 e 24 do meu pedivela.
Como então ficou a montagem?
Minha relão ficou assim: 20v, 2×10, tendo o cassete com cogs entre 11 e 40 dentes (o 16 no lugar do 15 e 17), e pedivela com coroas 38 e 24 dentes. Bóra pedalar!!!!
Pedalei um pouco mais de 1.000kms com essa montagem, sempre cuidando da limpeza e eventuais reajustes nos câmbios. Ações de rotina e manutenção para preservar e aumentar a vida útil do equipamento.
Depois dos 1.000kms pedalados, adivinha quantas vezes utilizei o cog 40 dentes… Pouquíssimas! Tavez umas 4 vezes apenas. Lembro que usei um pouco na subida da casinha (Trip Bike SFX), e outras em alguns pedais nos arredores de Jacareí, quando tinha lama ou muitas pedrinhas soltas no caminho. Usei mais para controlar a tração da roda traseira, não pela inclinação da subida.
Foi então que comecei a perceber que o cog de 40 dentes não era tão funcional ou fundamental. Eu poderia viver bem sem ele. Masssssss… Lembram dos cogs de 15 e 17 dentes que eu removi, dando espaço para um de 16 dentes? Então, esses sim me faziam uma falta imensa!
Na sequência do menor para o maior cog, eram: 11, 13, 16, 19 dentes, e depois os outros. E havia um buraco grande entre as marchas, a ponto de irritar durante a pedalada, quando eu precisava de uma marcha mais pesada, descia uma e ficava muito pesada. Então eu subia uma marcha novamente, e a cadência ficava muito alta. Mas que raios!
Mesmo assim, foram 1.000kms com essa raiva e sofrimento.
Conhecendo a relação com a Sra. Matemática!
Para sabermos o ratio de uma marcha dentro de uma relação, dividimos o número de dentes da coroa pelo número de dentes do cassete.
Então, na relação 2×10 instalada na minha bike, a tabela com o ratio é esta:
E por quê o cog de 16 dentes me atrapalhou tanto?
Eu considero que um ratio maior que 0,18 entre as marchas já começa a dar problema. Já começa a criar “buracos” entre as marchas.
Reparem na tabela acima, que a diferença entre os cogs 13 e 16 resulta em 0,35 e entre 16 e 19 é 0,24. Isso é muita coisa! É um “buracão” entre as marcas e quebra a cadência de quem gosta de manter uma faixa de giro específica. Veja também que entre 11 e 13 dentes a diferença é grande, resulta 0,34. Mas o cog 11 eu considero uma “marcha de misericórdia”, usada somente em descidas muito rápidas. Essa última marcha acaba ajudando, não prejudicando. Mas tenho planos de fazer uma outra experiência com esse 11 dentes também. 😉
Depois de 1.000kms pedalados, usando pouco o cog de 40 dentes e sofrendo com o buraco em torno do 16 dentes, resolvi voltar o cassete à configuração original. Quem me conhece sabe que não gosto muito de gambiarras, e sempre digo que um exército de engenheiros japoneses sempre serão melhores que eu e você, na hora de resolver problemas de engenharia.
Masssssssss…
Agora eu já tinha certeza que o cog de 40 dentes poderia me tirar de algumas roubadas, mesmo que vez ou outra. Só que eu queria o 15 e o 17 de volta! Urgente! Então, o que eu poderia fazer para ter o ratio do 40 dentes em um cassete com montagem original? Troquei a coroa 24 por uma 22 dentes. Então minha relação de marchas ficou assim: sairam os cogs 16 e o 40 dentes do cassete, voltando o 15 e o 17 dentes, e saiu a coroa 24 e entrou uma 22.
Veja na tabela de ratio como ficou a diferença entre uma marcha e outra.
Com a saída do cog 16 dentes e a presença novamente do 15 e 17 dentes, toda a diferença voltou a ficar abaixo de 0,18. E agora tenho 2 marchas de misericórdia que me ajudam em descidas mais rápidas. As trocas de marchas são mais suaves, sem buracos, sem desconforto. Nada como acreditar nos engenheiros que passaram anos projetando e testando esses componentes! Dōmo arigatō! (muito obrigado, na língua japonesa)
Usando a coroa 22 dentes com cassete na montagem original 11-36, tenho o mesmo ratio que se usasse coroa 24 com o cog de 40 dentes.
Pensando um pouco
Com a coroa 38 dentes eu já tenho uma ótima gama de opções em marchas as quais utilizo por 90% do tempo de uma pedalada ou treino. Trocando a coroa 24 por uma de 22 dentes, além de não fazer “modificações técnicas”, minha relação de marchas está toda original, e não estou forçando nenhum componente, como o câmbio traseiro que trabalhava no limite.
Usando 24×40, eu tinha uma marcha mais leve para subidas muito íngrimes, mas perdia muito rendimento em trechos planos e rápidos por causa do buraco nas marchas em torno do cog 16.
Agora com coroa 22, não tenho mais apenas uma marcha mais leve, tenho 10! Senti que ficou fácil de trabalhar as marchas em uma subida. Ficaram suaves as trocas quando preciso de subir as marchas. A relação entrega à mim apenas um pequeno alívio nas pernas que já resolve o problema. E se a inclinação vai diminuindo, desço gradativamente as marchas e a perna não sofre com o peso extra que aparece de repente para empurrar morro acima. Ficou muito bom mesmo!
Você já conhece como é o ratio entre as marchas de um grupo 2×20. Agora, temos aqui a tabela de ratio da relação de marcha 1×11 da SRAM:
Se for preciso, volte às tabelas anteriores e compare os valores de diferença (dif.). Então tente imaginar como é pedalar com esse grupo.
E aí, o que decidiu?
Lembrando que em uma relação 1×10 você SEMPRE perderá na marcha mais leve, ou na mais pesada. Aliás, você SEMPRE perderá nas duas extreminadas.
Relação de marchas 1×10 ou 1×11, na minha opinião, são boas para XCO (Cross Country Olímpico). O atleta chegará no local onde será a prova, fará o reconhecimento do percurso, e decidirá qual coroa utilizará. Tudo vai depender do que ele sentiu na questão de esforço durante o reconhecimento.
Já relação 2×10 é mais dinâmica, te atende em tudo. Você não precisa se preocupar com a velha história que não pode cruzar corrente. Acaba usando todas as 20 marchas e não há problema algum. Basta o equipamento estar em dia, lubrificado e ajustado.
Por fim, pare tudo e analise o real motivo de você querer utilizar 1×10. É uma real necessidade? E essa real necessidade é baseada em que? Você não está sendo “Maria vai com as outras” ou apenas seguindo uma modinha boba? Que desfilar com 1×10 para seu amigos? Mas se ficar pra trás na subida por ter que empurrar a bike ou não conseguir acompanhar o pelotão naquela descida rápida, não poderá por a culpa em ninguém, pois a decidão foi sua.
Desejo-lhe sempre boas pedaladas, independente da quantidade de marchas. 😉
Gostou da matéria? Curta e compartilhe para seus amigos lerem também!
Texto: Fabio S.