Nesta publicação, tratarei sobre uma norma ISO (International Organization for Standardization) que se refere aos testes de resistência de corrente de bicicleta. A norma é a ISO 9633:2001(E), e mostrarei os resultados de testes de resistência feitos em laboratório com correntes KMC, Shimano e YBN (Yaban).
Como vocês sabem, gosto muito de experimentar e testar componentes de bicicletas. Faço minhas montagens e vou fuçando em tudo.
Gosto de ter minhas opiniões baseadas na prática para depois ajudar amigos e clientes a decidirem sobre compras de componentes.
Há muito tempo eu venho tentando imaginar como poderia fazer testes (de laboratório) para poder colocar componentes de marcas diferentes no mesmo teste. Um ambiente controlado é primordial para que os resultados sejam o mais preciso possível.
Descobri que é um processo caro e um pouco burocrático, inviável para um simples mortal como eu. Então, decidi ir por um outro caminho: tentar conseguir documentos de testes de componentes. E como corrente de bicicleta é um dos componentes da bicicleta que mais sofrem desgaste e devem ser constantemente trocados, esse acabou sendo o assunto escolhido.
ISO (International Organization for Standardization)
A ISO é uma organização mundial que trata questões sobre padronizações de uma infinidade de assuntos. Esses padrões são estudados e estabelecidos por um comitê técnico o qual precisa ter 75% ou mais de votos para se efetivar e fixar uma determinada norma.
A ISO 9366 foi preparada e estabelecida para controlar os padrões de fabricação e qualidade de correntes e coroas de bicicletas. Os testes apresentados nesta publicação são baseados na segunda edição da norma ISO 9366, a qual cancela a versão anterior, de 1992.
Os Contatos
No dia 12 de setembro de 2015, tentei o primeiro contato com a fabrica de corrente YBN, também conhecida como Yaban, e um dia depois já recebi resposta. Perguntei sobre a possibilidade de receber documentos de testes das correntes YBN para publicar um artigo.
Responderam que poderiam enviar resultados de alguns testes, mas que eu deveria fazer contato com o representante oficial da marca no Brasil. Fiz o contato, e reencaminharam para mim alguns arquivos PDF que a fábrica tinha enviado à eles.
Depois de algumas semanas, retomei este artigo e mandei um email para a KMC no dia 1º de novembro de 2015. Um dia depois recebei uma mensagem do Sr. Dennis Wang dizendo que ele perguntaria ao seu superior se seria possível enviar tais documentos. Não recebi nenhum outro retorno da KMC até agora.
No dia 27 de outubro de 2015 tentei contato com a Shimano Brasil. Nem tentei a fábrica, sabia que nunca responderiam, pois já tentei em outras ocasiões. Mandei um email para eles, aos cuidados de dois profissionais do setor de Marketing que acredito que poderiam resolver minha questão.
No dia 3 de novembro de 2015, recebi uma resposta do departamento de comunicação da Shimano Brasil. Apenas informaram que eu poderia consultar o Tech Docs no site da Shimano. Nem perdi meu tempo. Pedi documentos técnicos sobre testes de resistência, e não tutoriais de como montar a corrente na bicicleta.
Correntes – Características e Métodos de Testes
Definição – As normas técnicas para correntes de bicicletas especificam as dimensões e propriedades mecânicas das mesmas. Baseado-se nestas normas são executados os testes e procedimentos para homologação. Os testes são baseados em: torção, desvio lateral, pinos de ligamento e arco lateral.
Toda corrente de bicicleta, dependendo da aplicação, número de velocidades do sistema, finalidade e etc, possui sua característica de fabricação. Variam de tamanhos, larguras e etc. Mas a única medida que é padronizada para todas, é a distância entre os pinos “P”, o qual será sempre 12,7mm ou 1/2″.
Existem aparelhos específicos para os testes das correntes, os quais medem inúmeras características de cada uma delas. Infelizmente não tive acesso às imagens desses aparelhos, mas pelo que entendi, cada um desses aparelhos de medição, verifica uma característica da corrente. A precisão é de décimos de milímetros e, muitas vezes, até em mícrons.
São analisadas todas as medidas de todas as partes que compõem uma corrente. nenhum detalhe é deixado de lado. É verificado o comprimento exato da corrente em um número determinado de links. Também é analisado se está dentro dos limites mínimo e máximo. Depois é analisada a deformação lateral que ela sofre, como na imagem abaixo:
Os pinos e demais partes que compões cada segmento da corrente, também são analisados com muito critério:
Além dos Testes de Inspeções
Agora é a parte divertida, é quando passamos das teorias para as práticas!
Logicamente, as marcas de correntes que tratamos nesta publicação (KMC, Shimano e YBN), passam com louvor nestas verificações técnicas. Todas respondem aos requisitos e características técnicas mínimas para poderem ser usadas com segurança pelos usuários de bicicletas.
Lembrando que, os testes mencionados até agora, referem-se apenas às questão de construção. Se as métricas e especificações técnicas estiverem de acordo com a ISO 9633, a corrente passará para os próximos testes.
Nos testes de resistência, as correntes são colocadas á prova na prática. São instaladas em simuladores e são aplicadas certas cargas e tensões no sistema, e uma quantidade de horas de teste é estabelecido para verificar até quanto aguentam a pancadaria.
É estabelecido um limite técnico que se refere à desgaste calculado no comprimento total da corrente. Todos sabemos que as correntes esticam conforme o tempo de uso, certo?
Informações sobre o Teste de Resistência
Segundo a documentação que recebi da YBN (Yaban), foram feitos testes com correntes KMC e Shimano, além da YBN (lógico). Essa documentação,são relatórios técnicos de testes em laboratório. Nestes testes foram estabelecidos limites e foram aplicados as mesmas variáveis ao mesmo aparelho de testes. Assim todas as correntes de todas as marcas foram testadas no mesmo ambiente controlado.
As correntes testadas foram as seguintes:
- KMC: X11L, X10SL e X10
- Shimano: CN-HG9000 e CN-6701
- YBN: SLA-H11, SLA101, SH10S2
As correntes acima listadas, são os modelos 10 e 11v mais high-end das marcas.
Informações sobre os testes
Tempo de Teste: Cada sessão de teste foi feito em 12 horas corridos. Depois, os aparelhos eram desligados e as correntes eram analisadas para ser possível registrar o andamento do desgaste de cada uma delas. Depois, mais 12 horas de “pancadaria” nelas.
A velocidade estabelecida: Os testes eram feitos sempre com a máquina ajustada para funcionar a exatos 44Km/h. Não achei um detalhamento técnico explicando o motivo desta velocidade. Mas deve existir sim uma padrão a ser seguido.
A carga aplicada: em todas as sessões de 12 horas e a 44Km/h, uma carga de 87Km foi aplicada à máquina para simular o peso de um ciclista e toda a resistência mecânica de uma pedalada.
A relação de marchas: Não foi montado uma relação multi-marchas, o teste foi apenas feito em um montagem estilo “single-speed”. A coroa escolhida foi uma de 42 dentes com um cog de 20 dentes. Lembre-se que testes de arco lateral ou outros não são aplicados aqui. Este teste mede apenas o desgaste da corrente, por isso a montagem estilo “single-speed”.
Tamanho da corrente: As corrente chegam até nós montadas com 116 links. Para este teste, as correntes foram cortadas e foram utilizadas 49 links. Não há necessidade de testar a corrente inteira, apenas uma amostra. No final, o desgaste será proporcional ao tamanho da corrente.
Comprimento limite da corrente: para os 49 links estabelecidos para o teste, foi definido que o comprimento máximo que a corrente pode alcançar é 1278mm quando gasta. Detalhe: segundo a ISO 9633, a corrente formada por 100 links deve ter entre 1269,7 e 1272,8mm de comprimento.
Tabela Comparativa dos Testes
Correntes de 11 velocidades
Neste primeiro teste, foram utilizadas três correntes, uma de cada marca, e todos compatíveis entre si no número de velocidades: 11v.
Na primeira coluna, está descrito a sessão/dia dos testes. Como mensionei um pouco acima, cada sessão de testes era feito por 12 horas seguidas. Então a máquina era desligada e as correntes eram medidas com instrumentos de precisão, registrando-se o desgaste de cada uma.
A segunda coluna mostra quantos Km cada sessão totalizou, os valores são acumulativos.
As colunas em azul claro mostram o comprimento da corrente quando a sessão foi finalizada e a corrente medida. E as colunas laranjinhas mostram quanto a corrente alongou após cada sessão.
A YBN determinou um limite de 1278mm de comprimento. O valor foi estabelecido como parâmetro para que suas correntes trabalhem perfeitamente até “morrerem”. Quando este comprimento fosse alcançado, o teste seria abortado.
As correntes das marcas concorrentes continuariam a serem usadas até completarem a mesma quilometragem que a YBN. Vejam a tabela abaixo:
YBN SLA-H11 S2 | Shimano CN-HG9000 | KMC X11L | |||||
Sessão Dia | Km Acum. | Comprim. mm | Alongam. mm | Comprim. mm | Alongam. mm | Comprim. mm | Alongam. mm |
1 | 528 | 1271,20 | 0,29 | 1270,44 | 0,14 | 1276,53 | 5,09 |
2 | 1056 | 1271,26 | 0,35 | 1270,48 | 0,18 | 1279,77 | 8,33 |
3 | 1584 | 1271,46 | 0,55 | 1270,53 | 0,23 | 1282,38 | 10,94 |
4 | 2112 | 1271,53 | 0,62 | 1270,53 | 0,23 | 1284,91 | 13,47 |
5 | 2640 | 1271,69 | 0,78 | 1270,61 | 0,31 | 1285,95 | 14,51 |
6 | 3168 | 1271,85 | 0,94 | 1270,89 | 0,59 | ||
7 | 3696 | 1272,08 | 1,17 | 1271,34 | 1,04 | ||
8 | 4224 | 1272,28 | 1,37 | 1272,42 | 2,12 | ||
9 | 4752 | 1272,95 | 2,04 | 1273,32 | 3,02 | ||
10 | 5280 | 1273,77 | 2,86 | 1274,57 | 4,27 | ||
11 | 5808 | 1274,83 | 3,92 | 1276,34 | 6,04 | ||
12 | 6336 | 1276,44 | 5,53 | 1278,28 | 7,98 | ||
13 | 6864 | 1278,46 | 7,55 | 1280,40 | 10,10 | ||
RESULTADOS | |||||||
Sessões | Km | Alongamento Total | Alongamento Total | Alongamento Total | |||
13 | 6864 | YBN: 7,55mm | Shimano: 10,10mm | KMC: 14,51mm |
Resultados das correntes de 11 velocidades
Teste finalizado, e podemos ver claramente os resultados: a corrente YBN foi a melhor entre as corrente de 11v. Shimano em segundo lugar e KMC em terceiro com um resultado terrível.
Ao todo, as três correntes rodaram no simulador um total de 13 sessões de 12 hora, acumulado 6.864 Km cada. A corrente YBN SLA H11 S2 teve um alongamento de 7,55mm no final dos 6.864 Km. A corrente da Shimano alongou 10,10mm e a KMC alongou 14,51mm no acumulado de 2.640 Km. O teste da corrente KMC foi abortado porquê o limite que define um bom funcionamento da corrente foi ultrapassado.
Percebam que a corrente da Shimano, aguentou se desgastou mais lentamente até o oitavo dia, ou 96 horas de testes. Depois disso, o desgaste aconteceu de forma mais rápida do que da corrente YBN. Acredito que isso tenha acontecido por causa da vida útil da lubrificação original da corrente. Ou então, por causa do tratamento aplicado nos componentes durante sua fabricação.
Correntes de 10 velocidades
O mesmo teste foi aplicado às correntes de 10 velocidades das três marcas. Mesma carga, mesma coroa e cog, mesma velocidade ajustada para a máquina girar e acumular os Km. Modelos de correntes escolhidos:
- YBN SLA101
- Shimano CN-6701
- KMC X10SL
YBN SLA101 | Shimano CN-6701 | KMC X10SL | |||||
Sessão Dia | Km Acum. | Comprim. mm | Alongam. mm | Comprim. mm | Alongam. mm | Comprim. mm | Alongam. mm |
1 | 528 | 1270,91 | 0,69 | 1271,48 | 0,14 | 1271,59 | 1,11 |
2 | 1056 | 1271,10 | 0,88 | 1271,63 | 0,29 | 1272,28 | 1,80 |
3 | 1584 | 1271,20 | 0,98 | 1271,83 | 0,49 | 1273,38 | 2,90 |
4 | 2112 | 1271,40 | 1,18 | 1272,36 | 1,02 | 1275,24 | 4,76 |
5 | 2640 | 1271,93 | 1,71 | 1273,63 | 2,29 | 1277,53 | 7,05 |
6 | 3168 | 1272,69 | 2,47 | 1275,26 | 3,92 | 1279,89 | 9,41 |
7 | 3696 | 1273,61 | 3,39 | 1277,75 | 6,41 | ||
8 | 4224 | 1274,67 | 4,45 | 1279,97 | 8,63 | ||
9 | 4752 | 1275,73 | 5,51 | ||||
10 | 5280 | 1278,06 | 7,84 | ||||
RESULTADOS | |||||||
Sessões | Km | Alongamento Total | Alongamento Total | Alongamento Total | |||
10 | 5280 | YBN: 7,84mm | Shimano: 8,63mm | KMC: 9,41mm |
Resultados das correntes de 10 velocidades
Agora, nos testes das correntes de 10 velocidades, podemos ver que os resultados ficaram mais equilibrados. Porém, as correntes terminaram com sua vida útil mais cedo do que as correntes de 11 velocidades. No teste anterior, as correntes 11v duraram 13 sessões de 12 horas cada. Já as correntes de 10v, duraram 10 sessões de 12 horas cada.
Os Km acumulados também foram menores: 5.280 km para as 10v, contra 6.864 das correntes 11v. Não faço idéia do motivo disso.
Mas, voltando aos resultados, novamente a YBN mostrou um produto melhor. Também novamente a Shimano em segundo lugar, e a KMC por último.
A corrente YBN SLA101 durou 5.280 para que ultrapassasse o limite de alongamento de 1.278mm. A Shimano durou por 4.224 Km, e a KMC morreu um pouco antes. Foram 3.168 Km até que o limite de desgaste fosse ultrapassado.
Conclusão Final
Eu já usei todo tipo de corrente, pelo simples fato de ser curioso. Na maioria das vezes me surpreendo com a qualidade do produto que custa menos. Eu sempre incentivo para que experimentem e não fiquem na dúvida. Não vão dormir pensado: “e se…”
Gostaria muito de receber relatórios técnicos da Shimano e da KMC, assim como recebi da YBN (Yaban). Sabemos que a KMC fabrica algumas correntes para a Shimano. Já a YBN fabrica ela mesma toda a sua linha de produtos.
Se um dia eu receber novos documentos de testes, publicarei um novo artigo sobre eles. Shimano? KMC? Vamos lá? 😉
Gostou deste artigo? Então compartilhe para seus amigos lerem também!
Fabio S.